Burial é pura ficção científica. Deixando de lado a choradeira. A sonoridade é como uma orquestra rudimentar de algum recanto obscuro do universo. Ótimas percussões em tambores diversos. Metais tendendo sempre para os registros mais baixos. Obviamente o maestro aqui é uma relação homem-máquina que opera não mais o digital mas o probabilístico. Aliás, é um dos primeiros álbuns a apresentar o uso de um sintetizador quântico moldado para a música popular, assim como o mini moog o foi para sua época em relação a sua sintetização analógica. Impossível também não notar a influência gospel que remete tanto à música negra religiosa americana dos anos anteriores à primeira guerra quanto à música monódica do cantochão medieval. Mas não devemos negar aqui seu caráter profano. São sobretudo canções de amor, desespero e frustração. O corpo é sagrado e a alma é suja como declama aquele que discursa em dado momento no álbum. As canções não vocalizadas são interessantes também. “Prayer”, por exemplo, tem timbres com características meteorológicas bastante sutis, ou seja, ventos dos mais variados tipos combinados com uma malha rugosa, espinhosa, mas densa. Tal malha perpassa o disco como uma chuva sulfurosa com pingos grossos cujo impacto é em solo opaco. O álbum finaliza como aquele filme que você escuta dentro decasa de longe enquanto foi ao banheiro.
O que dizer de Chuck Shuldiner? O cara tem uma biografia que não é impactante, mas tem uma banda chama “Death” cuja obra é um dos pilares do Death Metal, compacta, clara e genial. Em dado momento o cara morreu de câncer. O álbum é um daqueles dodoecaedros romanos, complexos, interessantes, mas não sabemos exatamente o que é. Em “Human”, o boneco assassino desfilas riffs rapidíssimos em meio a um campo de forças em meio ao tempo estriado. É notável a beleza da malha harmônica que remete aos desenvolvimentos da música romântica do escuro século dezenove. Concisão é tudo. Todas as peças se encaixam em não mais que cinco minutos. O que é louvável. Cada peça um quebra-cabeça. Engraçado, achava que o Death era uma banda que não tinha muito suingue e “Human” prova exatamente. O álbum é cheio de balanço. E num curto espaço consegue misturar vários balançoes com muita engenhosidade. Ora mais rápido, ora mais devagar. Grave pecado se alguém disser que há monotonia aqui. A diferença se revela depois de muitas escutas. A cada vez ela se revela mais aguçada em perceber as diferentes nuanças das peças. “Lack of Comprehension” começa bastante melancólica e lírica e caminha para uma galopante levada com muito balanço. Em fundo corrosivo a capa nos mostra corpos exposto em sua nudeza mais cruel. A arte expõe nossa humanidade, frágil, combalida diante de um mundo sem sentido. “Cosmic See” é de uma beleza sem tamanho. Percorre vastos oceanos de linhas sempre brilhantes nas seis cordas. E, pasmem,uma elegia pagã, uma exaltação do universo em seus infinitos atributos. Com um intermezzo sintético seguida de um galope no contrabaixo e desabando em riffs balançados e surpreendentes com uma outra linha nas seis cordas que ronda a levada com densa tessitura melódica culminando em uma espiral ascendente ao desconhecido sintético da arquitetura da melodia.
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