Nos anos em que me dediquei seriamente ao estudo da música contemporânea (por mais lacunas que jamais serão preenchidas) muitas coisas mudaram na minha relação com o som, com o ouvir, com o escutar. A começar pela dimensão e compreensão da perspectiva psicoacústica e física do sonoro. Lidar com as diversas estéticas da música do século vinte não foi e não é tarefa fácil. Apenas para citar algumas linhas - serialismo, serialismo integral, música espectral, música aleatória, música estocástica, minimalismo, e tantas outras que eu ainda desconheço – acabaram por me levar a uma abertura superlativa a novas paisagens do sonoro. No entanto, tanta dedicação e esforço não deram em muita coisa, levando a uma certa saturação intelectual, tanto do meio social acadêmico como da própria empolação da matéria textual e composicional que perpassa este ambiente. Cansei. Apenas alguns dias atrás voltei a reconsiderar a possibilidade de ouvir música erudita, tanto dos vários períodos musicais quanto do contemporâneo. Mas o ponto em que quero chegar não é a da minha relação com a música erudita contemporânea. Neste período uma ligação inusitada foi estabelecida.
Os anos 1990. Iniciei minha relação com música no início da década de 1990. Época difícil, havia acabado de mudar de uma cidade para outra. Nova escola, católica. O pontapé foi dado pela edição do “Rock in Rio II”. O Guns’n’Roses captou e me catapultou para um mundo de angústia adolescente que era só meu. Quando vi o show do Judas Priest percebi que aquele careca com um morcego tatuado na cabeça era a coisa mais radical de que se tinha notícia desde a época em que meu tio falava nos fabulosos Beatles. Aquilo era muito estúpido e fodido. O cara em cima de uma moto no meio do palco. Aquele monte de adereços metálicos. E aquela música “painkiller” que vinha com uma força, uma potência, um turbilhão descomunal, que jamais tinha percebido em qualquer lugar. Meu interesse pelo heavy metal só aumentou – Sepultura, Slayer, Megadeth, entre outros nomes – até 1992. Naquele ano comecei a ouvir falar de uma banda “punk”, adjetivo que por si só já despertava, mesmo não sabendo o que aquilo significava, uma fúria desmesurada, os Ramones. O álbum a que primeiramente tive acesso foi o “Brain Drain” (1989), petardo tardio, mas não menos eficaz, que gostei, mas não me surpreendeu tanto. Nas férias de julho de 1992 meu pai me deu uma mesada para passar o mês. Peguei a grana e fui numa loja de discos. Comprei o “Rocket to Russia” (1977). Ouvir aquele álbum mudou a minha vida. O pensamento que guardo até hoje foi “se alguém faz isso desse jeito então qualquer um pode fazer qualquer coisa”. Daí fui traçando as influências do Ramones, e como fazia aulas de violão erudito, acabei chegando na música contemporânea, no jazz, nas coisas mais experimentais, no indie rock, no boom da música eletrônica em meados da década de 1990... Nunca deixei de lado, mas esqueci um pouco do heavy metal como possibilidade, até porque depois de tanta coisa na cabeça, este soava reacionário, representante de uma sociedade patriarcal e massa cinzenta prejudicada, sentia vergonha do heavy metal. Ponto.
Em 2005, e 2006, quando finalizei a minha dissertação de mestrado estava com os ouvido um tanto “calejados”. Sim, meu aparelho auditivo tinha “calos”. E, caramba! De tantos calos, tanto ruído, a única música que podia me interessar naquele momento era música barulhenta, desvinculada de grandes pretensões intelectuais (para que havia lidado com Xenakis a Meshuggah é música fácil), mas energética, potente, destrutiva, um tsunami para lavar a alma depois de tantos momentos de extrema amargura. E do alto dos meus 25 e poucos anos meu interesse pelo heavy metal e toda sonoridade extrema haviam voltado, o que antes era angústia adolescente projetada no grindcore, agora era (não fique preocupado com a gramática incoerente) um saltar no buraco negro – vida e sonoro, vida sonora – um caminhar que culminou na frustração de uma vida encerrada no obscuro inconsciente psicoacústico.
O jazz – por volta daqueles anos (2005 e 2006) – teimei que queria entender jazz, tinha passado anos ouvindo, mas queria compreender o jazz em sua inteireza (harmonia, rítmica, composição, improvisação) e fui atrás e até hoje estou nessa também de estar imerso no jazz como base estrutural, um guia, pelo qual posso demarcar os territórios nos quais me aventuro.
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